Muito Além da Gramática (resenha)

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(Texto publicado originalmente na coluna Voz Cultural do Jornal Voz do Planalto)
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Irandé Antunes, linguista, escreveu um estudo sobre ensino. Trata-se de Muito Além da Gramática: Por um Ensino de Línguas sem Pedras no Caminho. O livro nada tem de despretensioso. Demole, metodicamente, mitos criados em torno da gramática normativa.

A autora assume o risco de enfrentar os guardiões do vernáculo, amantes da norma culta. Tudo isso sem perder de vista a importância da língua como identidade cultural, histórica e social de um povo.

Para ela a ciência da linguagem (no sentido de meio sistemático de comunicar ideias) “está em sintonia com as correntes de pensamento mais significativas em cada época”.

A linguagem explica-se por sua importância no contexto cultural. Ela é, ao mesmo tempo, produto da cultura e instrumento para sua transmissão. Em um cenário de confrontos culturais, a linguagem atua como fator de relevância. O uso da língua na escola evidencia mais claramente as diferenças entre grupos sociais e gera discriminação. A fala de alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social e geográfica escolarmente estigmatizadas, por exemplo, provoca preconceitos linguísticos e resulta em dificuldades de aprendizagem.

Aliás, o conceito de “erro” mediante as variações linguísticas, tem sido um dos principais causadores do desinteresse e desmotivação por parte dos falantes da Língua Portuguesa. Muitos deles crêem que não sabem a própria língua, e consideram-na muito difícil.

Em Muito Além da Gramática, a dita cuja sai do “pedestal”. Irandé mostra que apenas a norma culta não é suficiente para abarcar todo tipo de comunicação ou atividade de linguagem verbal. O conteúdo do livro deixa claro que, se a língua e a gramática não se equivalem, dominar a gramática não é o bastante para atuar eficientemente na comunicação verbal.

Fica provado que língua e gramática não são a mesma coisa. E, principalmente, a língua não é composta exclusivamente da gramática. A autora comenta que língua refere-se ao uso, à interação e à modificação. Sendo assim, o professor deve dominar a língua e não a gramática. Complementando esse pensamento, há uma crítica sobre a ideia de que é preciso saber gramática e suas normas.

Em verdade, a escritora considera um “atraso científico” pensar que “basta saber gramática, ou mesmo conhecer a língua, para exercer as atividades da linguagem” (P. 63). Reconhece que “ninguém fala, ouve, lê ou escreve sem gramática...” E completa que a interação verbal requer o “conhecimento do real ou do mundo, o conhecimento das normas de textualização e conhecimento das normas sociais de uso da língua” (P. 55). Por fim conclui que o ensino de línguas “não pode constituir-se apenas de lições de gramática” (P.44). 

Surgem os questionamentos com relação aos programas gramaticais que, segundo a autora, se mostram limitados, pois são centrados apenas em uma análise essencialmente normativa dos fatos linguísticos. Em seguida, é apontada uma proposta urgente de reformulação dos programas gramaticais e o acréscimo de novos pontos aos já existentes, pois essa inovação ajudaria o professor a avançar para muito além da gramática. Ainda a respeito dos programas gramaticais, Irandé apresenta a sugestão de um programa que tenha o texto como foco central mostrando quais pontos deveriam ser acrescidos. Um deles teria a função de focalizar a frase com os detalhes a serem acrescentados; o outro focalizaria a palavra propriamente dita. Nisso a língua e a gramática “podem ser solução para aprender a apreciar a recriação da língua”.

Navegar por caminhos que apontem um horizonte para o uso da língua além da gramática é tarefa para especialistas no assunto. Requer sensatez intelectual. Nesta seara linguística, dificilmente alguém conseguirá escrever um livro, com a mesma temática, tão agradável quanto o de Irandé.

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