Tornar-se um leitor habitual no século XXI

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A leitura de ficção é uma das poucas unanimidades, entre os hábitos culturais, que resistiram ao último século sem ganhar ares exóticos (embora, eventualmente, possa ser considerado um pouco pedante discorrer por muito tempo sobre algo interessante que se tenha lido). O leitor habitual, diligente, voraz é, em geral, admirado no seu círculo de amizades por essa característica, e é admitido que, por isso mesmo, ele será mais imaginativo, loquaz e bem informado que a média dos seus convidados para uma festa. Por segurança, é bom que haja um ou dois leitores habituais por perto, para aqueles momentos constrangedores em que a conversa ameaça morrer; em que assuntos aparentemente díspares precisam de conexões urgentes, para que todos os convivas sejam envolvidos; e para dar a todos a sensação máxima de que saíram da sua reunião mais sabidos que antes. Mesmo que isso tudo seja uma grande idealização (e é quase certo que é, uma vez que há leitores tão diferentes entre si quanto o são os livros que leem), ainda é a regra: é bom ler histórias. E lê-las com frequência.
Ser leitor habitual, portanto, agrega-se muito bem ao perfil de qualquer um. Ajuda a cortejar parceiros interessantes. Ajuda a ter um acervo maior de palavras para comunicar-se. Se a oportunidade surgir, durante uma entrevista de emprego, você não deixará de mencionar o fato a seu favor. Logo, porque tão poucos de nós, efetivamente, somos leitores habituais?
É verdade: somos poucos. Ao longo da minha década e pouco de experiência como livreiro, atendendo a todos os tipos de clientes, pude perceber que eles se dividem em três grandes grupos bem definidos: 1º – o leitor habitual, bem consumado, que chega em busca do próximo elo na sua cadeia de leituras, sabendo de antemão o que procura, mas aberto a surpresas e desvios de rota; 2º – aqueles que querem presentear alguém com um livro, e apenas isso, o que significa que pouco estão se importando se você vai depositar em suas mãos um romance policial rasteiro, com uma trama batida e rapidamente decifrável, ou um baluarte da literatura contemporânea multipremiado, ou mesmo um manual de jardinagem – eles querem apenas descrever brevemente seu presentado, e que surjamos com uma solução mágica para um presente ao mesmo tempo chique e apressado; 3º – o leitor que tenta ser habitual, aquele que tenta aperfeiçoar-se, mas que falha repetidamente, por motivos que ele mesmo às vezes compreende, às vezes não.
Este terceiro grupo, obviamente, é o que gera interações mais estimulantes. É ali, no quadrado mágico do pequeno confessionário improvisado que delimita o espaço no qual o atendimento acontece, que derramam-se dúvidas e conflitos, e no qual o livreiro, finalmente cônscio de que não é um mero trabalhador do comércio, mas um potencial elemento transformador das vidas daquelas pessoas, expõe suas garras afiadas por anos de contato continuado com aqueles volumes grosseiramente armazenados nas estantes e sai com seus melhores conselhos. Faz uso de uma força que passa muito tempo sem sequer saber que possui. Mas como os atendimentos são, via de regra, meramente verbais, esses conselhos se perdem na bruma dos dias. E depois seu feedback permanece igualmente anônimo, quando os clientes voltam, ou com um sorriso no rosto estampando seu sucesso, ou com um ar envergonhado, para declarar timidamente que não foi possível incorporar os livros ao que são. (Fonte: www.carreiraliteraria.wordpress.com)

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Sivaldo Venerando. Tecnologia do Blogger.