Não bastava teres sido bravo patriota, intelectual refinado e cidadão admirável? O que fizeram com tua honestidade? Traíram-te, nobre Rui. Isso quase um século após tua morte. Que dirias desse projeto malogrado? “...entre as inconveniências dos abusos e a necessidade do uso...” na certa.
Teu carrasco chama-se Mário Prata. É habilidoso com as palavras no teatro, no cinema, nos jornais. Resolveu entrevistar Uns Brasileiros. É lá, Rui, que fazes companhia a Dom Pedro I, Aleijadinho, Castro Alves. É lá que tuas ideias são traídas e te transformam em outro, cuja única indignação nesta nova república é contra o fiasco da educação brasileira. Lá não tens coragem para gritar contra a corrupção latente. Definitivamente, não és tu, Rui.
Foste reinventado por um escritor nada categórico. Insensível em navegar no psicológico do personagem (no caso tu, Rui) ele é raso e supérfluo. Indaga-te sobre o que mais te preocupa na república de hoje. Respondes serem os destinos da educação. E só. Se teu reinventor não faltasse com a verdade, diria de teu desconforto com o descalabro em que meteram nosso país. Prata perdeu a chance de navegar em teu inconsciente. Não é fácil, mas é comum. Se o escritor tem em mãos qualquer personagem humano é mais propício. Se tem a ti, homem público e transparente, tem o dever de ser fiel aos teus ideais. Pensaste já que ele poderia ter se esforçado para nivelar-se a um Graciliano Ramos? Vê só o que ele fez com Baleia (personagem de Vidas Secas); condicionou-a a exercer uma “humanidade”. Houve ali, Rui, o toque refinado da arte. O recurso aflorou a sensibilidade do animal. Lá, o “Velho Graça” confirmou a verve do grande escritor. Penetrou o mundo interior da cadela. Na passagem da vida terrena, Baleia teve a visão de um mundo repleto de preás. Coerente, não?
São assim as grandes páginas da nossa literatura. Mas contigo, não. Subjugaram-te, Rui. Aliás, como não deves saber – a menos que costumes reunir-te no além com autores também já falecidos – essa ideia de entrevistar mortos nem é do senhor Prata. Foi emprestada de Rubem Braga, que resolveu bater um papo sinistro com Machado de Assis. Rubem questiona, mas Machado responde apenas o que escreveu. Irredutível, mas verdadeiro.
Usaram-te para dizer o que pensam, mas que, talvez por falta de coragem, não digam: que a república é hoje a alcova da corrupção. Que tens com a fala dos outros? O papel do intelectual é alertar a sociedade e ser verdadeiro. E tu, Rui Barbosa, foste-o. Mesmo traído, o testemunho de tua vida permite que até cego intelectual veja que a verdade é sublime e a sapiência não se dobra ante interesses politiqueiros de ocasião. Eis quase tudo. Por falta de espaço, fica por aqui a conversa.
Rui Barbosa traído
Sivaldo Venerando. Tecnologia do Blogger.
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