Entrevista (Henrique Annes)

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Henrique Annes, 68, é um dos maiores violonistas brasileiros. Baluarte do violão popular, conviveu com os grandes nomes desta arte. Na entrevista a seguir, Annes comenta sua relação com músicos de outras épocas, o amor pela música e o desapontamento com as instituições pernambucanas ligadas à arte. 
QuebraRegras - O senhor é considerado a memória viva do violão pernambucano. Como enxerga esse título?
Henrique Annes - Bem, eu sou assim considerado porque convivi com os grandes nomes do violão. Desde menino convivi com o violonista Romualdo Miranda e Nelson do Bandolim. Romualdo passou as músicas dele para mim. Gravei músicas desse pessoal todo. Convivi com Zé do Carmo, Canhoto da Paraíba, Hernandes Reis, Wilson Sandes, grande violonista. Na época do rádio esses dois últimos faziam dupla. Aprendi muita coisa com esse pessoal. Foi muito bom e bonito o meu tempo de garoto, o convívio com a música.

QR - A Suíte Pernambucana, de sua autoria, tem valsa, choro e frevo sem intervalo. Isso exige muito do músico?
HA - Exige muito. É difícil de tocar. Uma música que exige certa virtuosidade técnica pra tocar com clareza. São muitas vozes misturadas. Muita polifonia. Ai você tem que estudar, né? Ver os detalhes...

QR - Antes de ter um estilo próprio e ser consagrado, quais foram suas maiores influências?
HA - Foram os (violonistas) do passado. Eu tenho muito fraseado do Romualdo, Zé do Carmo, Canhoto, Baden Powell, Laurindo Almeida. Todo esse pessoal popular. Agora, dos clássicos – eu toco música erudita, sempre toquei; aqui, nos Estados Unidos. Então tocava aquele repertório com Segovia, a Suíte de (Sebastian) Bach, (Domenico) Scarlatti. Parei de tocar essas coisas porque não dá, sabe. A gente faz esse trabalho, mas o melhor é tocar a música da nossa aldeia. Adalpha Ubank dizia: “Toca a música da tua aldeia e serás universal.”

QR - O senhor já tocava desde a infância. Aprendeu a tocar de ouvido, por percepção?
HA - Aprendi de ouvido, sozinho. Eu ouvia tudo a tocar-se no violão e fazer tudo no lugar certo, mas não sabia o que estava fazendo. Era consciente disso. Ai, depois, estudei, aprimorei a técnica e vi que havia engano. Hoje tudo é mais fácil, porque tenho também a técnica.

QR - Costuma ouvir Beethoven, Mozart?
HA - Diariamente. Ouço os quartetos de violino, aquela entrada, as oitavas (sofeja). Ouço os concertos de violino, são lindos. Eu amo música, entendeu?

QR - O que a música pernambucana deve a Romualdo Miranda, Quincas Laranjeira, João Pernambuco?
HA - Se não fosse esse pessoal, o violão não existiria. Eles levaram toda nossa cultura para o Rio de Janeiro e outros estados. E um foi passando para o outro. O que existe nacionalmente foi daqui. Sem desmerecer os demais, que têm seu valor, mas a semente saiu daqui.

QR - O que é o violão popular?
HA - É o violão brasileiro, né? É o estilo mais eloquente para o violão, a nossa música brasileira. Demonstra tudo, toda virtuosidade, os fraseados, os efeitos. Tem muito violonista bom neste país. Um pessoal com estilo próprio. É a escola do violão brasileiro mundialmente conhecida, é o violão popular.

QR - O senhor fez escola, deu aulas...
HA - Criei a cadeira de Violão no Conservatório Pernambucano de Música. Deixei inúmeros alunos que hoje são professores, outra geração e tudo. Mas, para mim, Pernambuco é um estado ingrato, sabe. Essa forma de manipular a cultura; eu acho muito complicado. Eu me sinto assim, afastado. Eles me afastam. Se eu fosse um violinista que tocasse dois acordes, três, era famoso em Recife e em Pernambuco, como tem muitos. Sou um pesquisador, uma pessoa estudiosa. Modéstia a parte, sei fazer as coisas, entendo dessa arte. Então, eu acho que eles me temem. Não querem que eu faça parte dessa confraria deles, e a política deles com a qual sou magoado. Inclusive não preciso deles para nada. Tenho minha profissão. Toco e vou tocar até morrer.

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